EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 547 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (ATUAL ART. 1.255 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002). CONSTRUÇÃO EM TERRENO ALHEIO. ACESSÃO. EDIFICAÇÃO E BOA-FÉ. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. OMISSÃO DO COMANDO SENTENCIAL. FIXAÇÃO DE OFÍCIO POR ESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE. I – Aquele que planta ou edifica em terreno alheio perde, em favor do proprietário, as acessões, sendo-lhe garantido o direito à indenização, se procedeu de boa-fé, nos exatos termos do art. 547 do Código Civil de 1916, que corresponde ao art. 1.255 do Código Civil de 2002. II – Aquele que edifica ou efetua despesas na construção do imóvel, de boa-fé, deve ser indenizado. III - Quanto aos consectários da condenação, a determinação dos termos iniciais para contagem dos juros e da correção monetária na apreciação do recurso de apelação, a rigor, não altera os valores fixados na sentença de base. Além disso, trata-se de matéria de ordem pública, que deve ser conhecida de ofício, em especial quando a sentença apresenta-se omissa nesse pormenor. IV - Juros de mora contados a partir da data da citação, nos moldes dos arts. 405 e 406 do Código Civil de 2002, fixados no patamar de 0,5% (meio por cento) ao mês até a entrada em vigor do citado Código, após o que devem ser contados na base de 1% (um por cento) ao mês. A correção monetária deve seguir o índice INPC/IBGE, desde a data da sentença de primeiro grau. V – Recurso parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Marcelo Carvalho Silva, Raimundo Freire Cutrim e Nelma Celeste Souza Silva Sarney Costa.
Funcionou pela Procuradoria de Justiça a Dra. Clodenilza Ribeiro Ferreira.
São Luís, 18 de maio de 2010.
Desa. Nelma Celeste Souza Silva Sarney Costa
Presidente
Des. Marcelo Carvalho Silva
Relator
APELAÇÃO CÍVEL N.º 1.253/2010 – CURURUPU
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação, interposto por Jailton Machado Silva, contra a sentença prolatada pelo Juiz de Direito da Comarca de Cururupu, que, nos autos da ação ordinária de indenização movida por Adaildo José Borges, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, condenando o apelante ao pagamento de indenização no valor de R$ 3.805,50 (três mil, oitocentos e cinco reais e cinquenta centavos), referente às benfeitorias realizadas pelo apelado no terreno do apelante, além de custas e honorários advocatícios.
Em suas razões (fls. 81/82), o apelante, em princípio, ressalta que a construção empreendida pelo apelado não teve caráter permanente, pois se tratava de edificação própria para uma atividade específica, um “bar”, que após o seu insucesso não foi aproveitada pelo apelante, ao contrário, inviabilizou qualquer outro tipo de construção, residencial ou comercial, sem que houvesse demolição de tudo o quanto tinha sido construído.
Aduz que os documentos apresentados pelo apelado não são provas cabais de pagamentos de bens e serviços utilizados no empreendimento dos litigantes, haja vista que são recibos firmados pelo próprio apelado, o que os tornariam inválidos e imprestáveis para fins judiciais.
Além disso, sustenta que os documentos acostados pelo apelado não teriam sido confirmados pelos depoimentos testemunhais, já que nenhum dos prestadores de serviços e/ou vendedores compareceram em juízo para firmarem a veracidade das alegações contidas na inicial.
Afirma que as testemunhas que compareceram em Juízo foram unânimes em afirmar que o apelante efetivamente empreendeu os benefícios no imóvel de sua propriedade, sendo de somenos importância financeira a participação do apelado.
Argumenta, ao final, que a sentença condenou o apelante ao pagamento da totalidade dos valores constantes dos recibos acostados à inicial, embora tenha explicitado que julgou apenas parcialmente procedente a demanda.
Por fim, requer o provimento do recurso, para que seja totalmente reformada a sentença de primeiro grau, julgando-se improcedentes os pedidos formulados na exordial.
O apelado, devidamente intimado, apresentou contrarrazões às fls. 90/92, onde pugna pelo improvimento do recurso, apenas destacando que a sentença analisou detidamente os fatos e acolheu o pedido inicial, por se estar diante de um caso de enriquecimento sem causa do apelante. Assim, subsistiria a obrigação do apelante em indenizar o apelado pelas benfeitorias por este realizadas em terreno alheio.
O Ministério Público, em parecer da lavra da Dra. MARIA LUIZA RIBEIRO MARTINS, deixou de opinar ut p. 103.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL N.º 1.253/2010 – CURURUPU
VOTO
I. Do juízo de admissibilidade
Verifico a presença dos pressupostos intrínsecos de admissibilidade recursal: a) cabimento (a apelação é o recurso apropriado à insurgência contra a sentença – CPC, art. 513); b) legitimidade (vez que a recorrente é parte vencida, ex vi do art. 499, do CPC); c) interesse (o recurso poderá se converter em vantagem à recorrente); d) inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer (não houve renúncia, aquiescência ou desistência).
Por outro lado, estão igualmente atendidos os requisitos extrínsecos exigidos para o regular andamento dos presentes recursos: a) tempestividade (o recurso foi interposto dentro do prazo previsto em lei); b) regularidade formal (foram respeitadas as formalidades disciplinadas pelo CPC); e c) preparo (verifico o pagamento das despesas judiciárias intermediárias pelo apelante – fls. 83).
Dessa forma, defiro o processamento do apelo.
II. Da pretensão recursal
Trata-se de recurso de apelação, interposto por Jailton Machado Silva, contra a sentença prolatada pelo Juiz de Direito da Comarca de Cururupu, que, nos autos da ação ordinária de indenização movida por Adaildo José Borges, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, condenando o apelante ao pagamento de indenização no valor de R$ 3.805,50 (três mil, oitocentos e cinco reais e cinquenta centavos), referente às benfeitorias realizadas pelo apelado no terreno do apelante, além de custas e honorários advocatícios.
No caso dos autos, é incontroverso o fato de que as partes estabeleceram sociedade com o intuito de desenvolver atividade comercial de um bar na cidade de Cururupu.
Para tanto, o apelante cedeu terreno de sua propriedade e o apelado investiu na construção do referido estabelecimento, arcando com as despesas respectivas.
Após o término da edificação, as partes passaram a desenvolver a atividade comercial em questão até a dissolução da sociedade de fato, de modo que o prédio construído, estando em terreno de propriedade do apelante, passou a pertencer ao patrimônio deste, na forma do art. 547 do Código Civil de 1916, vigente ao tempo do ajuizamento da demanda, com o seguinte teor:
Art. 547 - Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções, mas tem direito à indenização. Não o terá, porém, se procedeu de má-fé, caso em que poderá ser constrangido a repor as coisas no estado anterior e a pagar os prejuízos. (grifei)
O referido dispositivo legal tem correspondência no art. 1.255 do Código Civil de 2002:
Art. 1255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização. (grifei)
A norma em tela tem como fundamento a vedação ao enriquecimento sem causa ou enriquecimento ilícito, estatuída pelo nosso ordenamento jurídico.
Com efeito, não se pode admitir que, em um determinado negócio jurídico, uma das partes angarie um aumento patrimonial à custa do decréscimo patrimonial da outra parte, sem que haja a devida compensação.
No caso ora apresentado, em que as construções feitas no terreno do apelante acrescem ao patrimônio deste, por conta de disposição legal, deve o apelado ser ressarcido das despesas que efetuou para o soerguimento da edificação, pois esta não integrará o seu patrimônio.
Nesse sentido, destaco a lição de Nelson Nery Junior (in Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 655):
#2. Casuística:
Acessão. Direito de indenização. De acordo com os CC/1916 63, 66, 490, 515 a 519, 535 V, 536 e 545, a construção realizada não pode ser considerada benfeitoria, e sim como acessão (CC/1916 536, V – CC 1245 V), não cabendo, por tal razão, indenização pela construção irregularmente erguida. O direito à indenização só se admite nos casos em que há boa-fé do possuidor e seu fundamento sustenta-se na proibição do Ordenamento Jurídico ao enriquecimento sem causa do proprietário, em prejuízo do possuidor de boa-fé (STJ, REsp 245758/PE, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/04/2000, DJ 15/05/2000 p. 144) (grifei)
Nesse mesmo diapasão, a jurisprudência pátria:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTODE SOCIEDADE DE FATO CUMULADA COM DISSOLUÇÃO E DIVISÃO DOS BENS COMUNS - RECONHECIMENTO DA SOCIEDADE CONJUGAL E DECRETAÇÃO DA SUA DISSOLUÇÃO - INCONFORMISMO RECURSAL - CERCEAMENTO DE DEFESA - IMPOSSIBILIDADE DE OITIVA DE TESTEMUNHAS - PRETENSÃO À DIVISÃO DE IMÓVEL CONSTRUÍDO EM TERRENO ALHEIO - DIREITO À MEAÇÃO INEXISTENTE - INDENIZAÇÃO A SER VERIFICADA EM AÇÃO PRÓPRIA - ARTIGO 1.255 DO CÓDIGO CIVIL - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. "O art. 131 do CPC consagra o princípio da persuasão racional, valendo-se o magistrado do seu livre convencimento, que se utiliza dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto, rejeitando diligências que delongam o julgamento desnecessariamente. Trata-se de remédio processual que conspira a favor do princípio da celeridade do processo" (STJ, AgREsp n. 417.830/DF, rel. Min. Luiz Fux, j. em 17-12-02, DJ de 17-2-03). Por força do art. 1.255 do Código Civil, aquele que constrói em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as acessões feitas, restando a ele exigir, pelas vias processuais próprias, o direito aos eventuais créditos pelos acréscimos e não pretender a meação sobre o direito real do imóvel. (TJSC - AC 2008.061793-3 - 3ª C.Dir.Civ. - Rel. Desemb. Fernando Carioni - DJ 26.02.2009) (grifei)
APELAÇÕES CÍVEIS RECÍPROCAS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PELO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DA AÇÃO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL: REJEIÇÃO. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA: REJEIÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.255 DO CÓDIGO CIVIL. CONSTRUÇÃO EM TERRENO ALHEIO. ACESSÃO. PROVA DE PROPRIEDADE, EDIFICAÇÃO E BOA-FÉ. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO DA AUTORA PROVIDO E RECURSO DO RÉU IMPROVIDO (TJSC - AC 2008.027387-2 - 1ª C.Dir.Civ. - DJ 16.02.2009) (grifei)
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PROVA DA POSSE. ESBULHO. REQUISITOS DA POSSESSÓRIA DEMONSTRADOS. ACESSÃO NO IMÓVEL. BOA-FÉ DO PROMITENTE COMPRADOR. DIREITO À INDENIZAÇÃO E RETENÇÃO. Para exercitar o interdictum recuperandae possessionis cumpre-se ao autor demonstrar os requisitos essenciais à tutela possessória. A testemunhal é a prova por excelência nas questões possessórias, para se comprovar a posse, o esbulho ou a turbação, como para se identificar o agente e a data em que se praticou o ato que lesa a posse reclamada. Tendo o requerente se desincumbido de demonstrar o exercício de sua posse efetiva sobre o bem anteriormente a ocupação da área de que alega haver sido despojado por esbulho pelo réu, e a conseqüente perda da posse, procede a pretensão, em face do atendimento dos requisitos legais exigidos para a reintegração. Aquele que planta ou edifica em terreno alheio perde, em favor do proprietário, as acessões, sendo-lhe garantido o direito à indenização, se procedeu de boa-fé, nos exatos termos do art. 1.255 do Código Civil, bem como do direito de retenção assegurado pelo art. 1219 do mesmo diploma. (TJMG - 1.0470.04.015380-6/001(1) - Rel. Duarte De Paula - DJ 21.10.2008) (grifei)
Portanto, por meio da análise de todas as provas produzidas ao longo do presente feito, não há dúvidas de que o apelado efetuou despesas para a construção do imóvel em questão. Por outro lado, afigura-se patente a sua boa-fé, pois a edificação foi o resultado de negócio jurídico livremente estipulado pelas partes, com o objetivo de explorar atividade comercial.
O fato de a aludida atividade não ter prosperado, resultando na dissolução do negócio jurídico celebrado entre apelante e apelado, não possui o condão de afastar o direito deste último em perceber indenização pela acessão feita, uma vez que a edificação passou a integrar única e exclusivamente o patrimônio do apelante, podendo este dar a destinação que bem entender ao imóvel.
Diante de todas essas circunstâncias, tenho que o magistrado sentenciante sopesou bem todos os elementos trazidos aos autos, tendo inclusive procedido à ampla instrução probatória, concluindo pela condenação do apelante ao pagamento de indenização ao apelado pelas despesas que efetuou com a acessão feita no terreno de propriedade do apelante, como determina o nosso ordenamento jurídico.
Quanto aos consectários da condenação, devo dizer que a determinação dos termos iniciais para contagem dos juros e da correção monetária na apreciação do recurso de apelação, a rigor, não altera os valores fixados na sentença de base. Além disso, trata-se de matéria de ordem pública, que deve ser conhecida de ofício, em especial quando a sentença apresenta-se omissa nesse pormenor.
Desse modo, determino que os juros de mora sejam contados a partir da data da citação, nos moldes dos arts. 405 e 406 do Código Civil de 2002, fixados no patamar de 0,5% (meio por cento) ao mês até a entrada em vigor do citado Código, após o que devem ser contados na base de 1% (um por cento) ao mês. A correção monetária deve seguir o índice INPC/IBGE, desde a data da sentença de primeiro grau.
III. Quadra final
Ante todo o exposto, conheço do recurso e para dar-lhe parcial provimento, apenas para determinar que os juros de mora sejam contados a partir da data da citação, nos moldes dos arts. 405 e 406 do Código Civil de 2002, fixados no patamar de 0,5% (meio por cento) ao mês até a entrada em vigor do citado Código, após o que devem ser contados na base de 1% (um por cento) ao mês, assim como a correção monetária pelo índice INPC/IBGE, desde a data da decisão apelada, mantendo-se inalteradas as demais prescrições da sentença de primeiro grau.
Registro que, do julgamento realizado em 18 de maio de 2010, participaram com votos, além do Desembargador Relator, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Nelma Celeste Souza Silva Sarney Costa (Presidente) e Raimundo Freire Cutrim.
Peças liberadas pelo Desembargador Relator em 18 de maio de 2010 para publicação do acórdão no Diário Eletrônico e no endereço eletrônico http://www.tjma.jus.br – “ACÓRDÃO ON-LINE” -, sem assinatura digital.
É o voto.
São Luís, 18 de maio de 2010.
Desembargador Marcelo Carvalho Silva
Relator
Poder Judiciário do Estado do Maranhão - Tribunal de Justiça do Maranhão. Praça D. Pedro II s/n - Centro - São Luís - Maranhão - Cep: 65.010-905
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJMA - Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. TJMA - Civil e Processo Civil. Ação de indenização. Construção em terreno alheio. Acessão. Edificação e boa-fé. Indenização cabível. Juros de mora e correção monetária. Omissão do comando sentencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 out 2011, 10:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /25823/tjma-civil-e-processo-civil-acao-de-indenizacao-construcao-em-terreno-alheio-acessao-edificacao-e-boa-fe-indenizacao-cabivel-juros-de-mora-e-correcao-monetaria-omissao-do-comando-sentencial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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